No sábado acordei cedo. Ou melhor acordei mais cedo do que é habitual acordar a um sábado. Normalmente, como quase toda a gente (penso eu!) aproveito os fins-de-semana para ficar um pouco mais na cama, recuperar o sono perdido de toda uma semana.
Este sábado acordei mais cedo para participar no curso Gastronomia: Escrever com os sentidos promovido pela Escrever Escrever e leccionado pela jornalista Mónica Franco. Este foi o terceiro curso que fiz na Escrever Escrever. O primeiro foi um curso de escrita de viagens e o segundo Gastronomia: na tela, no papel e na mesa, onde passei um maravilhoso serão e onde me senti muito bem, sentada à mesa, a falar sobre a cultura e a gastronomia japonesas através de filmes, romances e a degustar uma refeição característica do país do sol nascente.
O curso deste sábado começou com uma visita ao Mercado da Ribeira com o Chef Ljubomir Stanisic do restaurante 100 Maneiras. Assim que entrei no Mercado surpreendi-me com o espaço e com a luminosidade. Encontrei um mercado, aparentemente, sem muita azáfama, grandes corredores, num espaço encantador e cheio de luz. Do Mercado da Ribeira guardo o sabor a cacau quente, o cacau quente da Ribeira, que cheguei a ir beber depois de umas noitadas pelo Bairro Alto e 24 de Julho, nos meus tempos de estudante.
Ljubomir Stanisic depois de consultar a sua lista de compras distribuiu um saco por cada um dos participantes do curso. E assim apanhados de surpresa, ficámos com a responsabilidade e o privilégio de o ajudar a fazer as compras. O critério definido para a escolha dos produtos foi apenas um: a frescura. Pepinos, limões, alhos-franceses, cebolas roxas, courgettes, molhos de grelos, uma abóbora grande com gomos da cor da laranja, foram alguns dos produtos que tivemos que escolher para os nossos sacos, entre cheiros e toques. O cheiro que guardei desta experiência foi o do limão. Um limão maduro, pintado de amarelo vivo, cheira agradavelmente bem. Experimentem.
A nossa visita ao Mercado levou-nos ainda à zona do marisco e do peixe fresco, onde fomos apresentados a Rosa, Rosa Peixeira como é conhecida. Entre um sorriso luminoso e uma pele que dispensa o uso de cremes para se manter jovem, como ela própria referiu, Rosa contou-nos que se levanta por volta da 1h30 da manhã para fazer as compras na lota e conseguir regressar ao Mercado com peixe para a sua venda. Impressionou-me a energia da Rosa Peixeira, a rapidez com que escamava e esventrava os peixes era semelhante ao modo com que falava e tentava conquistar os clientes, assim sem papas na língua.
Depois das compras seguimos para o restaurante 100 Maneiras no Bairro Alto. Aqui começou uma breve festa de experiências para o nosso paladar. Entre a conversa e boa disposição que imperava no diálogo com o nosso anfitrião, provámos um original pão com chouriço servido em espeto de bambu, um tira gosto composto de sorbet de manjericão, lima e champanhe (delicioso) e uma sopa fria de tomate servida num pequeno copo de vidro colocado numa base de ardósia, que nos soube muito bem.
A conversa que tivemos com Ljubomir Stanisic, ao longo da nossa degustação, passou pelo conceito de cozinha de mercado que impera no restaurante 100 Maneiras e pelas suas fontes de inspiração. Foi notório nas palavras do chef a paixão pelo Bairro Alto e, como não poderia deixar de ser a vida do Bairro inspirou-o naquilo que faz. Uma dessas influências está bem presente num dos aperitivos que serve. Um estendal (inspirado nos estendais de roupa do bairro e na pala de Siza Vieira no Parque das Nações) com tripa de bacalhau seca frita em azeite a 205 graus. Outro aspecto curioso são os saleiros e pimenteiros que se encontram nas mesas. Assemelham-se às pedras da calçada portuguesa.
Ljubomir Stanisic referiu também que se inspira, para além da vida do bairro, em pequenas coisas do quotidiano como por exemplo o detergente para lavar as mãos de cor verde (produto que o inspirou para a criação do limpador de palato que provámos), a noite lisboeta, sexo, as padarias e o pão com chouriço, entre outras coisas.
Depois da conversa com o artista/artesão de sabores da cozinha do 100 Maneiras e com as bocas a salivar de apetite lá fomos nós almoçar. Por sugestão de um dos colegas, o Miguel, o local escolhido foi o restaurante Estrela da Bica.
O restaurante Estrela da Bica revelou-se, assim que entrámos, um local agradável e cuidado, a lembrar por alguns traços as tabernas de antigamente. As mesas de madeira, rústicas, sem toalhas, algumas delas antigas, a ementa escrita a giz em quadros de ardósia, uma estante com livros e um espaço com sofás, nitidamente a convidar para uma cerveja fresca numa tarde de calor tórrido.
Começámos o nosso almoço com umas entradinhas maravilhosas: Babaganoush (pasta de beringela) com pão torrado e Tiborna.
Para prato principal quase todos escolhemos lombo de porco com batatas assadas no forno, que se revelaram as vedetas do prato graças ao sabor picante que nos levavam a pedir para reforçar o copo de sangria fresca.
O Miguel escolheu a opção vegetariana, um prato muito bem apresentado.
Para sobremesa fomos surpreendidos com um bolo de espinafres e agrião e panacota de chocolate com molho de morangos.
Melhor ainda do que o almoço foi o convívio com todos os colegas de curso que conheci naquela manhã. Bem dispostos e divertidos. Escusado será dizer que o almoço foi feito de boa disposição e muitas gargalhadas.
Depois do almoço voltámos ao curso e aos trabalhos de escrita dirigidos pela nossa formadora. Escrevemos inspirados primeiro pelo cheiro das ervas aromáticas: os orégãos, o tomilho, o endro, o cerefólio e o manjericão e, depois pelo filme Ratatouille. Por fim, analisámos textos sobre crítica gastronómica. E sem darmos conta do tempo passar, a hora de acabar chegou. No fim, ficou a promessa de novos cursos e de novas experiências ligadas ao mundo dos sabores.